sábado, 2 de agosto de 2008

INOCÊNCIA ROUBADA

Por Sandra Andrade e João Paulo Iberti

O Pró-Menor, órgão do Juizado de Menores que recebe denúncias de crimes a Criança e ao Adolescente, está completando dez anos de atuação. O foco no momento é a exploração sexual infantil em Salvador. Os comissários e os coordenares, Almir Bulhões e Ivan Faride estão realizando visitas ao subúrbio da capital, durante a madrugada e apreendendo adolescentes e crianças vendendo seus corpos em troca de dinheiro.

Segundo Ivan, eles retiram essas meninas das ruas, mas caem no descrédito, pois como não há nenhum projeto que as ressocializem, elas inevitavelmente retornam às ruas, pois precisam de dinheiro para prover o sustento da família. As chamadas "batidas" em motéis e hotéis são feitos durante todo o ano e plantão intensivo durante o carnaval e dia dos namorados. Para os coordenadores, a divulgação do trabalho do Pró-Menor torna as pessoas confiantes para denunciar e inibem a ação dos aliciadores e consumidores.

O tema também é a preocupação do CEDECA, Centro de Defesa a Criança e ao Adolescente Yves de Roussan, que no último ano direcionou suas campanhas de prevenção e combate à exploração sexual. Inúmeras são as barreiras que possuem esses órgãos, seja pela falta de denúncia, dificuldade de apuração e estrutura, bem como o despreparo policial para lidar com uma clientela tão diferenciada e sensível.

Os Conselhos tutelares, Juizados de menores, Delegacias de Proteção e Centros de Defesa trabalham em conjunto, mas sofrem a decadência da estrutura física e a pouca verba destinada a eles, que não cobre os gastos que possuem, nem possibilita novos projetos de combate e prevenção.

No último mês de setembro foram registradas na DERCA - Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Criança e ao Adolescente, 15 queixas de estupros, 21 atentados ao pudor e nove queixas que englobam atos obscenos e importunação ofensiva ao pudor. No Pró-Menor foram feitas 22 denúncias de abuso sexual e 15 de prostituição infantil, números muito menores do que a realidade, acreditam os coordenadores do setor.

A delegada titular do DERCA, Ana Paula Garcia, concorda que as denúncias ainda são poucas. E esclarece que violência sexual é um tema muito amplo e perante a lei não é considerado crime. O correto é exploração sexual e engloba inúmeros tipos de crimes que podem ser praticados, tais como: estupro, atentado violento ao pudor, corrupção de menores, posse sexual mediante fraude de criança ou adolescentes. Mesmo que a criança ou adolescente ceda até os 14 anos, é considerado atentado violento ao pudor presumido pela idade ou estupro.

É fundamental, portanto a comprovação de sua materialidade, através de laudo pericial que determine que houve violência sexual. O que muitas vezes torna-se difícil de comprovar, pois normalmente os abusos quando são denunciados já possuem um histórico e já não há marcas de violência, visto que a criança cede para evitar a dor.

Na sala de espera do Projeto Viver situado no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, em Salvador, crianças brincam normalmente de desenhar e colorir, enquanto aguardam o horário de suas consultas. A grande diferença das crianças de suas idades é que mesmo tão pequenas, trazem marcas profundas e buscam atendimento psicológico especializado para vítimas de violência sexual.

M. S., onze anos, era violentada há três anos pelo seu pai, quando a mãe estava ausente. O crime e o abusador só foram descobertos após a gravidez da menina, muito embora os vizinhos desconfiassem por conta dos gritos que escutavam nesses momentos.

B. A., dois anos e meio, foi estuprada e sufocada pelo seu tio. A criança sofreu hemorragia e faleceu 12 horas após a violência.

Araceli Cabreira Sanches, oito anos de idade, foi seqüestrada, drogada, espancada, estuprada e morta por membros de uma família de classe média em Vitória do Espírito Santo, há 34 anos. A data de sua morte foi escolhida como Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual Infanto-juvenil.

Tais atos contra inocentes é assunto de extrema relevância na sociedade por transgredir os direitos humanos. Traz consigo questionamentos sobre os motivos que acarretam tamanha crueldade e frieza dos agressores para satisfação da sua lasciva. Especialistas da área defendem que todo abusador um dia já foi abusado. Mas não se trata de uma regra, as características mais freqüentes nos agressores são: vício ao álcool ou drogas que desencadeia a violência, desemprego, distúrbios psicológicos e dificuldades de relacionamentos.

A questão cultural também deve ser levada em consideração. A predominância da cultura machista condicionou a submissão da mulher, também chamada de sexo frágil e a dominação do homem sobre todos através da força física. Tal comportamento gera no agressor a ilusão de que a família lhe pertence e deve satisfazer todas as suas vontades e necessidades, permitindo assim que ele trate com violência desde a mulher aos filhos, quando se trata do ambiente familiar.


A psicóloga Sandra Santos atende às vitimas que chegam ao CEDECA e afirma em muitos casos, por conta da idade, a criança não entende o abuso. Ela compreende que esses carinhos fazem parte da relação entre adultos e crianças e guarda o abuso em segredo, a pedido do próprio agressor, numa tentativa de manter o silêncio. A vítima obedece, pois confunde com obediência e respeito devida a aquele adulto que reverencia, portanto não a faria mal.

Com o passar do tempo, surgem os questionamentos acerca do silêncio exigido e as ameaças, dirigidas à criança ou a pessoas que ela ama, como a mãe e irmãos. O abusado passa então a viver um dilema psicológico muito intenso, amando e odiando o seu agressor.

Em 1910, Sigmund Freud na sua publicação “Sobre a Psicanálise” trouxe a tona suas teorias sobre os impulsos sexuais infantis, e escandalizou a comunidade médica européia. Ele acreditava que as crianças também possuíam desejos sexuais e esses eram direcionados aos próprios pais. A teoria freudiana afirma que a menina sente-se atraída pelo pai, do mesmo modo que o teme e rejeita. Ela pode sim, sentir desejo pelo pai e disputá-lo com a mãe, mas esse desejo é reprimido pelo tabu, as convenções sociais e permanece no objeto de fantasia da criança, pois é algo proibido.

Se ela se concretiza, caracteriza-se o incesto, que embora seja considerado inaceitável na sociedade, foi tema das grandes tragédias gregas. Como o mito de Electra, que se apaixonou pelo seu pai e por isso matou a sua mãe; E o Mito de Édipo, que se relacionou com a sua mãe sem saber e suicidou-se ao descobrir o parentesco.

Tais tragédias gregas denominaram na psicanálise: O Complexo de Electra, para os conflitos femininos e no âmbito masculino, O Complexo de Édipo. Esse último é muito conhecido e universalmente utilizado para a compreensão das atitudes humanas. A base do conceito é que a partir do quarto ano de vida, o menino concentra suas atenções nos seus genitais, tendendo a desejar a sua progenitora. Essa percepção de diferença de sexos gera a frustração e a disputa com a pessoa do mesmo sexo, o seu pai.

Tais teorias se aplicam melhor nos adolescentes, por entenderem melhor sobre a sexualidade. Por muitas vezes, mães e filhas passam a disputar o amor do mesmo homem, diz a psicóloga Sandra. “Essas mulheres chegam aqui com os nervos à flor da pele, pois de uma forma instintiva e inconsciente passam a sentir ciúmes da sua própria filha. Na medida em que se sentem culpadas pela agressão que aconteceu dentro de sua casa, sofrem também com a separação do marido, que amava e confiava e sentem-se traídas”.

A separação tende a ser complicada, pois os agressores, normalmente, são os provedores da casa, o que pode favorecer a omissão dos abusos. Mas, é feita a denúncia, acontece a desestruturação do lar. O primeiro passo é afastar a vítima do abusador, que necessariamente trará a separação dos pais ou a saída dessa criança do seio da família.

Para a psicóloga Sandra Santos, a violência sexual deve ser tratada como um tema de grande prioridade na sociedade. Ela acredita que será necessária uma nova didática nas escolas referente à educação sexual, que permita que a criança conheça seu corpo não somente como um objeto de reprodução, mas também como parte da sua sexualidade. Bem como, políticas públicas que permitam às famílias os seus direitos à educação, saúde, emprego e moradia.

A primeira e principal decisão é não se calar perante a violência. Esse é um desejo de todos os órgãos citados acima e bem ilustrado por Luther King, quando disse: "Temos de nos arrepender nesta geração, não tanto pelas más ações de pessoas más, mas pelo silêncio assustador de pessoas boas".

Em 1997, havia muitos casos que não chegavam a julgamento, por falta de queixas e principalmente de interesse com o assunto. A abertura de conselhos tutelares, delegacias de proteção à criança e assistência psicológica e jurídica tornaram-se então o objetivo do CEDECA. Exemplo seguido por outros projetos da capital baiana, como O Sentinela e O Projeto Viver.

O trabalho que hoje é feito em conjunto começa com a denúncia que é direcionada para o Pró-Menor. Os coordenadores organizam as diligências para apuração dos fatos. Nos casos de comprovação das agressões físicas e/ou abusos sexuais, a criança é abrigada num Lar de Apoio e os responsáveis levados para o DERCA, onde são prestadas as queixas e encaminhados os casos a julgamento. Na própria delegacia, recomendam-se os serviços dos Centros de Defesa para assessoria psicológica e jurídica, quando não são procurados diretamente pelas famílias.

Um comentário:

jorginho da hora disse...

É uma situação tão dificio quanto complicada. E o pior de tudo é o risco de morte que elas correm.